Durante muito tempo, a ideia de que “robôs dominariam o mundo” parecia coisa de filme de ficção científica. Mas e se isso já estiver acontecendo — não no mundo físico, e sim no mundo virtual?
Essa é a provocação por trás da chamada Teoria da Internet Morta, uma das hipóteses mais assustadoras e, ao mesmo tempo, mais fascinantes da era digital.
A teoria diz que a maior parte da internet já não é feita por seres humanos, mas por robôs e inteligências artificiais.
Postagens, comentários, músicas, vídeos, notícias — tudo estaria sendo produzido, replicado e consumido por algoritmos, deixando cada vez menos espaço para a presença humana real.
O nascimento da teoria
A Teoria da Internet Morta surgiu por volta de 2021, em um fórum sobre tecnologia, quando um usuário que se chamava IlluminatiPirate publicou um manifesto detalhando como a web teria se tornado um ambiente dominado por robôs.
O texto afirmava que o conteúdo “verdadeiro e orgânico” havia sido substituído por um mar de postagens artificiais e interações automáticas — uma internet estéril, sem vida e controlada por sistemas de IA.
No meio de delírios conspiratórios (como a ideia de que governos controlam a mente das pessoas via inteligência artificial), havia pontos que, curiosamente, parecem mais plausíveis hoje do que há alguns anos.
De teoria conspiratória a diagnóstico possível
O pesquisador Timothy Shoup, do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague, prevê que até 2030, 99% de todo o conteúdo online será gerado por IA.
E os números já assustam: um relatório da empresa de segurança Barracuda mostrou que, em 2021, 64% de todo o tráfego da internet era feito por robôs — sendo a maior parte deles “do mal”, os que enviam spam, espalham vírus ou tentam invadir sistemas.
Ou seja: mesmo que a teoria continue soando radical, os dados mostram que a presença humana na internet já é minoria.
O império dos bots nas redes sociais
Essa dominância é ainda mais visível nas redes.
Elon Musk, por exemplo, quase desistiu de comprar o Twitter (hoje X) ao descobrir que uma enorme parcela das contas eram falsas.
Quando o X passou a pagar usuários por visualizações, a situação piorou: perfis artificiais, com selo azul, começaram a publicar conteúdos genéricos apenas para gerar engajamento — e lucro.
O Facebook também enfrenta o mesmo tipo de epidemia.
Só em um ano, a plataforma precisou remover mais de 5 bilhões de contas falsas, um número maior que toda a base de usuários humanos da rede.
O “AI Slop” e o lixo digital das inteligências artificiais
Com o avanço das ferramentas generativas, como ChatGPT e Midjourney, a internet foi inundada por conteúdo sintético.
Em 2024, surgiram comunidades inteiras dedicadas a postar imagens absurdas geradas por IA, como Jesus Cristo com corpo de camarão — um fenômeno que ficou conhecido como “AI Slop” (“lixo da IA”).
Essas postagens atraem cliques pela estranheza, e as páginas que as publicam lucram com a monetização das redes.
Muitos dos comentários e curtidas também são feitos por bots, criando um ciclo perfeito: robôs produzindo conteúdo para outros robôs consumirem.
Quando a IA aprende com a própria IA
Pesquisadores das universidades Rice e Stanford alertam para um efeito colateral ainda mais preocupante: à medida que modelos de IA passam a ser treinados com dados criados por outras IAs, a qualidade do conteúdo gerado tende a piorar.
Esse fenômeno, chamado de model collapse, cria uma espécie de “loop sintético” — uma internet cada vez mais artificial, onde a criatividade humana desaparece e tudo passa a soar igual.
O resultado? Um mundo digital homogêneo, sem diversidade e sem autenticidade.
A crise da verdade
Se antes dizíamos “ver para crer”, hoje ver já não significa nada.
Imagens, vozes e vídeos podem ser fabricados com realismo assustador, tornando quase impossível distinguir o que é real do que é fabricado.
A pesquisadora Shin Suzuki, da BBC News Brasil, resume bem o dilema: “O perigo está na homogeneização do conhecimento — quando tudo o que lemos ou assistimos começa a vir da mesma fonte: as inteligências artificiais.”
O ponto de inversão
Os defensores mais radicais da teoria acreditam que estamos a caminho de um momento conhecido como “inversão” — quando os algoritmos passam a definir que o comportamento dos robôs é o verdadeiro padrão, e o humano é o artificial.
Nesse cenário, a “internet morta” deixaria de ser metáfora para se tornar uma realidade total, onde a presença humana seria irrelevante.
Conclusão: a internet ainda respira — mas por quanto tempo?
É claro que boa parte dessa teoria continua sendo especulativa.
Mas a pergunta que ela levanta é real: até que ponto ainda somos nós que controlamos a internet — e não o contrário?
Talvez a internet ainda não esteja morta.
Mas o coração humano que pulsava dentro dela parece cada vez mais fraco.