A queda do tráfego orgânico: como a IA nas buscas coloca a web aberta em risco


A promessa da inteligência artificial nas buscas sempre foi oferecer respostas mais rápidas, diretas e completas.

Mas, à medida que ferramentas como o Google Search Generative Experience (SGE) e outros recursos semelhantes se expandem, um efeito colateral começa a ficar evidente: o tráfego orgânico dos sites independentes está despencando.

O depoimento recente da CEO da WikiHow, Elizabeth Douglas, em um processo contra o Google nos EUA, tornou-se um símbolo desse fenômeno.

Ao usar seu próprio site como exemplo, Douglas mostrou que o problema não é apenas de grandes publishers, mas de toda a web aberta — aquela que vive da diversidade de criadores, blogs e comunidades online.

O efeito “Google Zero”

O termo “Google Zero” descreve o momento em que a busca entrega toda a informação na própria página de resultados, eliminando a necessidade de o usuário clicar em links externos.

Se antes os sites competiam para aparecer entre os primeiros resultados, agora muitos sequer têm a chance de receber um clique, já que a IA responde de forma resumida, ocupando o espaço central da atenção do usuário.

Para sites como o WikiHow, cuja proposta é justamente oferecer guias práticos e detalhados, isso significa perda direta de audiência — e, consequentemente, de receita.

WikiHow: o retrato de um dilema maior

No tribunal, Elizabeth Douglas foi clara: a WikiHow enfrenta um momento crítico, com queda de tráfego e incertezas sobre a sustentabilidade do modelo atual.

O paradoxo, segundo ela, é que o Google é ao mesmo tempo a ameaça e o principal suporte.

  • Ameaça, porque reduz o fluxo de visitantes ao centralizar as respostas.

  • Suporte, porque as ferramentas de anúncios da empresa ainda são a fonte mais estável de receita para sites independentes.

Esse dilema reflete a realidade de milhares de editores: não há como sobreviver sem o Google, mas depender dele torna o futuro cada vez mais frágil.

O papel do DOJ: solução ou risco?

O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) processa o Google por monopólio em tecnologia de anúncios.

Entre as medidas sugeridas está a separação de partes do negócio, como a plataforma de leilão de anúncios (AdX) e a ferramenta de gestão (DFP).

Em teoria, isso criaria mais concorrência e abriria espaço para alternativas.

Mas, para editores como o WikiHow, surge o medo de perder a pouca estabilidade financeira que ainda resta, caso a divisão leve a falhas técnicas, menos suporte ou queda de anunciantes.

Ou seja, a solução pensada para restaurar a competição pode acabar deixando os pequenos ainda mais vulneráveis.


O risco para a web aberta

O caso do WikiHow é apenas um recorte do que está acontecendo em escala global:

  • Sites independentes estão cada vez mais invisíveis diante da centralização de respostas.

  • Modelos de receita baseados em anúncios tornam-se instáveis, já que o tráfego diminui.

  • A IA acelera essa transformação, mudando o hábito do usuário de clicar para o hábito de apenas ler a resposta direta.

Se essa tendência continuar, a chamada web aberta — que permitiu o crescimento de comunidades online, portais especializados e blogs — corre o risco de se tornar apenas um apêndice do ecossistema controlado por algumas big techs.


Conclusão

O depoimento da WikiHow serve como um alerta urgente: a inteligência artificial aplicada às buscas pode trazer conveniência para os usuários, mas também ameaça o equilíbrio da internet como a conhecemos.

Se os sites independentes perderem relevância e receita, a diversidade de vozes e conteúdos será reduzida, deixando a web menos plural e mais controlada por poucos atores dominantes.

A questão que fica é clara: o futuro da internet será um espaço aberto de múltiplas fontes ou um jardim murado administrado pela IA de algumas empresas?